quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Com destinatário e imunidade




Não tenho malas para arrumar. Não quero passar a limpo. Estou ousando as inadequações e recebendo toda a sua energia. Pois então. Escorchada, sinto o frio na barriga e cumpro as promessas com o coração fazendo-se asas. O meu propósito nunca foi a cura e (talvez) por isso estou com as vestes adequadas para que eu não me sinta com a alma desagasalhada, e isso não tem nada a ver com renúncias. Eu aceito o frio e degusto a intensidade sem abrir mão. Te recebo sem nortes, mas com todos os sins e atropelos que arquejam nosso velcro violado. Antes de fugir, já quero voltar. Estou descalça e sem adjetivos possíveis para dizer que eu chamo a reciprocidade e não o idílico. Sou grata a todas as minhas faculdades e percepções mas a maior gratidão é pela minha recusa à estagnação emocional. Não faço jejum, não tenho expectativas, não sei fazer cálculos e se for sem entrega, me perco. O cinza lá fora leva a cidade embora e aqui minhas horas estão desalinhadas, tragas por esse sentir insinuante. Em versos e inversos, sinto o cheiro da falta de fôlego. Embarquei num trem que quase perdi pelo excesso de espaço e estou nele com todas as doses improváveis de mim, só e sendo. O inevitável não me aproveita tanto quanto o impossível e agora só me resta refletir se essa coisas vicejadas são apenas nossas. Penso. Sinto. O abraço apertado me espreita e me faz gostar tanto dessa força, que deveria ser suficiente. Mas não é. Nunca será. Se interessar saber, estou desocupada de mim para ser cada vez mais receptiva, do meu jeito, e talvez isso seja importante para que você chegue mais perto, apesar dos verbos que trago no olhar e que nunca incomodaram suas conjugações. Clamo vida e não sossego. Você clama as trocas reais e me pede para que o mundo acabe. Feroz e irremediável. Porque nunca foram nuances sobre adicionar ou remover. A omissão letárgica nos fez reféns das frases que cometemos e isso é raro e muito reticente. Tão de vez em quando e tão sempre. Ambições simples e as querências inteiras e aditadas. Muita perdição e nenhuma perca. Não há procura por dias fora do tempo e o atrevimento basta. Iluminados pelas inconfissões - até então - e pela atipicidade secreta, anseio pelo nosso tempo que se desinteressa pelas horas. Indisfarçável e atravessando músicas. Me sinto feliz por estar tão confortável aqui, diante dos rabiscos, dispensáveis. Você sabe sobre mim muito mais do que te dei e isso torna tudo dispensável realmente. Sabe dos ventos que ainda não soprei. Dos meus caminhos e do meu cabelo. Compreendo, não poderia ser diferente. Um céu incógnito, mas ainda sim um céu inteiro. Um cais, dois réus. Um caos e um mar. A entrelinha foi o atrativo mais sacana e intacto à nossa indisponibilidade: sem apego e com sussurros. Adiante, tudo é página em branco e isso torna as anteriores epifanias. Não cabemos nos planos. Definitivamente não. Caímos no "assim seja" e seja lá como for, isso é lindo por não esperar sentimentalismos baratos. Você chegou assim, derramando palpites em mim, pressentimentos adequados à minha intensidade. Incerto, mas com súplicas e uma inteireza que ocuparam minha falta de espaço. Nunca soube onde poderia chegar e essa nunca foi a tática, morei no seu deserto. Vou permanecer na sua insônia sem me preocupar com a sua sutil habilidade com o desassossego, por não estar tão livre para ser quanto eu sou. Me oriento por essa realidade enquanto você fica angustiado. Mas seu querer faz o tiro sair pela tangente, tornando tudo imune e agradável. E o que era para ser uma sucessão de desistências, vira poesia. Vira vida. Dentro de tantas possibilidades: a última fatia de um banquete fatal. Estou bebendo do que transborda: nossas incandescências. 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Veredito





Existem, inegavelmente, os que já nasceram mortos. Acredito, de coração, que o nosso mundo é um lugar verdadeiramente cheio de opções sorteadas a todo instante, insistentes, mas tem os que definitivamente não cabem aqui. Saiam. Salvem-se. Ressuscitem dos sepulcros que enfeitam suas próprias covardias. Viver não é mérito, é condição. Estamos vivos quando sabemos auferir acréscimos, seja lá quais forem. Estamos vivos quando o que nos ocupa somos nós mesmos e não as vozes alheias quase sempre inseguras. Estamos vivos quando desconstruímos as prolixidades sobre conveniência, e arriscamos mil vezes. Quando, então, corremos os riscos mais absurdos sem priorizar sair ileso. Estamos vivos quando somos negligenciados gratuitamente sem que isso fira, jamais, nossa autoestima. Estamos vivos quando escolhemos estar. Quando leveza e intensidade não são destoantes, mas sim o par perfeito para que todas as coisas sejam conduzidas com uma liberalidade doce. Estamos vivos quando nos sentimos livres dentro de qualquer prisão e quando nos aprisionamos ao que julgamos valer a pena dentro de uma liberdade devastadora. Estamos vivos quando confessamos sozinhos, o nosso eu lírico, relativizando o nosso pior e suavizando os (quase) descontroles. Estamos vivos quando vamos embora. Quando ficamos. Quando adoramos o bem e o mal que existe dentro de cada um de nós e sabemos controlá-los confortavelmente. Quando não buscamos atalhos nas fissuras da mediocridade e assumimos o caminho interminável da coragem e da auto admissão. Quando entendemos os sentimentos que nos são postos à prova; sem recusar o sofrimento, sem confundir amor com carência ou desafio com indecisão. Estamos vivos quando gritamos incessantes dentro de um silêncio perpétuo e quando calamos eternamente, por sensatez. Quando misturamos as cores, as peles, o suor, os desinteresses. Quando fazemos tudo com paixão. Quando escolhemos ser nosso próprio álibi, unânimes. Quando nos reinventamos em graus e nos descobrimos sem pudor. Quando não somos falsos moralistas, nem tampouco, hipócritas suicidas. Estamos vivos, quando destemidos, fazemos justiça. Quando em muitos lugares, a qualquer tempo, dentre muitas pessoas, somos o que somos, porque isso é o mínimo de nobreza. Estamos vivos quando trazemos relacionamentos, histórias e marcas subcutâneas. Estamos vivos quando incomodamos com o nosso exagerado existir. Quando provamos de perto o lugar dos preferidos sem jamais permitir-se ser invisível. Estamos vivos quando somos cheios de incontáveis defeitos que apesar de inúmeros, jamais ofuscaram o amor que temos em ser o que nos tornamos. Aos que já morreram pelo excesso de falta de vida, minha eterna despedida. No mais, encontro-me aqui, exalando vida pelas digitais.

sábado, 23 de novembro de 2013

Rebanho


Obra de Hector Bernabó Carybé.



 Cruzei ruas que pareciam pinturas de Carybé, e estou andando em meio à todas elas nesse momento. Meus passos dados de dentro pra fora, eram capazes de despir certezas. Não fui com bagagem e nem com dinheiro. Não fui a nenhum encontro marcado e nem mesmo em busca de algum propósito. Apenas estive lá, com uma intensidade à flor da pele. Estive e conheci pessoas. Tóxicas, eloquentes, urgentes e vivas. Conheci gente despida, desapegada, eufórica. Alguns do tipo que não se desvencilham do caos e das causas incoerentes. Aquele tipinho em extinção. Esses, cabiam nas minhas ironias, na minha desobediência e redundância. No estilo Roberto Carlos, Dom Quixote, Castro Alves e Maria Gadú. Incólumes às raivas e dores, à fome, ao frio e ao sexo. Da classe dos frouxos e desmedidos. Pro mundo inteiro que existe guardado em algum lugar dentro de mim, eles são a personificação de um amanhecer de coisas que nunca foram dia, ouso assim dizer. Seres genuinamente certos de que são bichos densos, incluídos nessa constância de sermos todos sempre, desconhecidos. Eu queria estar escrevendo sobre qualquer outra coisa agora... sobre rotina ou sonhos, mas a minha pretensão vai além do silêncio questionador daqueles que nos avaliam... que vos analisam, e então só me resta rogar que muito mais do que a sinopse dessa arriscada biografia, eles sejam apenas alguns preciosos alguéns que.  

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Jazer


Corpos
Curvas
Vantagens místicas
E turvas.

Hipérboles materiais
Quase bem consumadas
Sem nenhum ego valente
Nem rimas censuradas

Viril a erudição
A moralidade é uma mera lixívia
Desde os primórdios do sucesso,

Lá se via
Lascívia.
 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sobre dias frios e sensações


De gole em gole, o líquido quente inunda fantasmas que trago, desde sempre, comigo. De onde estou agora, assisto inerte a chuva, grosseiramente transparente, imperando sua veemência em enxaguar vísceras humanas. Sempre apreciei a sinceridade das chuvas. Não camufla seus tons cinzas, nem tampouco seus barulhos. Não acolhe covardia. Não espera ninguém. 
Daqui, posso senti-la zombar das mediocridades. Daqui, posso ouvi-la pedir "licença" com uma voz eternamente imperativa, que temo então minha verticalidade: eu, tão plateia. A verdade é encantadora e só me resta aplaudir. A partir dela, descubro a sensação dos dias deliciosamente frios: franqueza. Aqueles dias permissivos de vários prazeres desgovernados. Aquele frio que torna conveniente o uso de cobertores retalhados e da reflexão.
De onde estou, o cenário é convidativo. Pingos nus e verdades. Pingos e horas. E horas. E horas. Incansável. O tempo vira tempestade e os acordes roucos negam ir embora agora, dando coerência aos meus palpites. Como se não bastasse o espetáculo disponível da minha janela, saio.

Assim como as cargas d'água, eu não me importo.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Só hoje


Só hoje lesionaremos a pele da cara. O dia agora parece-me perfeito para o pecado. Tão desesperador, tão inarrável. Só hoje vamos desassossegar o espírito, zombar da provisoriedade e quem sabe até negligenciar essa postura ereta, cheia de normas e cheiro de flor. Não evitaremos a vulgaridade do grito, da auto investigação, do clamor ou do desconforto. Se as pessoas aceitassem a totalidade de suas próprias vidas e tudo o que isso inclui, seriam menos chatas. Menos flácidas de si e certamente livres do veneno da inconfidência. 
Às 2h, abandonaremos definições e às 3h, dispensaremos o pragmatismo. Agora, seremos eternamente doces e nos segundos seguintes, jorraremos fel. 

Não me interessa nenhum juízo de moralidade. Há tempo, sabemos o que certo e o que é "errado". Me interessa o soterramento de questões conflitantes e insuportavelmente insolúveis, que mais tarde, vou ignorar.
Aos que concordam comigo, morrerei dizendo que o nosso lirismo dispensa explicações e leiloa resultados. Aos alheios de si, compreendo a difícil tarefa de acompanhar essa escolha de vida em transe, mas torço que em algum breve momento de lucidez ou coragem, vocês deixem de tentar ser o que criam, para serem exatamente o que querem ou pelo menos, o que realmente são. Pois bem, exerçamos com destreza o teratismo.
Que rasgue por dentro, que inunde tudo até anestesiar, que desabite quinhentas vezes e borre qualquer mediania. Que faça quarta-feira virar domingo. 

Assim como ondas que abandonam o oceano e tomam o espetáculo para si, precisamos de coragem para despregar dessas rugas sociais mesquinhamente maquiadas. Ignoro normalidades e isso me instiga. Ignoro rostos inexpressivos e perfumes inodoros... e isso causa uma satisfação da minha música interna que insiste em tocar.
Vamos nos sentir estranhos e vamos, então, nos amparar na medida desse pertencimento absurdo.
 
Não estique seu latim cansativo, porque sempre serei a presa inadequada. 
Só hoje, seremos como frutos maduros que renunciam suas árvores. 
Me mate ou me salve, só hoje.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Descobertas

Descobri (...)

Ideologia no metrô
Frio num cobertor
Um futuro retrô
Batom sem cor.

Uma rosa de meia
Natal sem ceia
Uma cabeça toda oca
E estrelas no céu da boca.

Uma sexta infinita
Teto no Coliseu
Seca no Ipiranga
E novidades no museu.

Descobri água doce no oceano
Que o céu é quase plano
Descobri a contradição
E um silogismo sem conclusão.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Conselho


Abraça-me sem medo. Normalmente dias claros são também quentes... então, por favor! Larga essa infidelidade aos teus próprios passos. Quando dito minha sentença, seus ouvidos são sempre os primeiros a aceitá-la. 
Não gosto de gente limitada, acuada, mal amada. Não é bem sucedido esse mecanismo inflexível que te amarga a boca. Falta de amor seca a alma e desmotiva o espírito. Não, eu não gosto do falso mono ou uni. E nem você.
Medo de ser infeliz? Ora, a infelicidade é apenas um prefixo não fixo. Vem, abraça-me sem medo, que nos meus braços cabe qualquer sentença. Há de se ter coragem para colorir. Se for pra morrer, que seja subitamente. Se for pra chorar que seja para descontaminar. Até o pecado sabe arriscar. Arreganha tua expressão e aos berros, profetiza seus desejos, que o mundo só é surdo pra quem não sabe falar. Larga essa cara de fome, porque pra tua fome, o alimento é amar.

sábado, 17 de agosto de 2013

Poêmica

Poetizando na calçada
Descalçada, poetizando
Poêmica polêmica!
Poetizando até anêmica.

Poetizando nas falácias
Acácias? Poesia!
Poetizando no predicado
E no sujeito. Que delicado!

Poesia que cabe em tudo
Rimas que cabe num anel
Poetizando no machado que Assis carrega
E na bandeira de Manuel.

Po-e-ti-zan-do. 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Singular


Não sou dessa era e não sei o que há do lado de lá. Eu que até então não me conhecia e que a mim não temia, temo já os meus versos. Eu, que agora me vejo, me decifro, me desejo e sinto até saudades de mim. Encontro-me cedo, breve e sem traços e me tomo em pequenos goles, na primeira refeição. Me tomo de tudo, porque me quero pra mim. Eu, que até então não sabia o quão real seria conhecer a si. E não sabia também, fechar o infinito ou enlouquecer com o sabor do egoísmo de ser seu fantasma e também, seu abismo. Não ser reflexo e sim espelho. Não ser vento e abstração. Eu, que descobri ser trilha incerta, talvez poeta ou rumos dispersos. Eu, que tão crente bailo quando consigo cantar esse meu canto tão perfeito e tão particular. Então, descubro ser pecado rubro, histórias do meu próprio punho e voz que não sabe calar. Eu, que tão logo vi que meu mundo não é como o dos outros e que a minha alma tem sede de astros e saudade desconhecida. Eu, que outrora não sabia me provar, descubro que por vezes e sem parênteses, sou tão primeira pessoa do singular.

domingo, 14 de julho de 2013

Sincero



Sopre mesmo a sua poeira
E os refúgios da sua pele
Sopre seus segredos lentos
Num sopro que te revele

Sopre seu salmo guardado
Sopre sua agonia
Sopre sua brisa leve
E dela, faz ventania

Sopra forte o seu crime
E mais forte a sua pena
Sopre sua alma em pó
Sem vergonha dessa cena

Sopre bem exagerado
E derrube esse ninho
Tire as penas da sua cara
Você não é passarinho.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Um toque, dois retoques...



Sentimentos no papel. Alguns ciclos. Branco e vermelho. Azul e vermelho. Verde e vermelho. Porque é assim que eu gosto. Porque é assim que eu quero. Bem vivo. Bem perto. Bem. Com mágoas saborosas e curáveis. Com delitos espalhados e fiança pronta. Tudo pode. E quando não pode, paga-se. Jogue seu lance. Sue sua febre. Impere sua ordem. Grite sua alma dançante até a última chance. Tire a máscara, ponha a máscara, tire sua cara, mude sua cara, recoloque sua cara. Trame um sucesso. Nada de ilusão em vão! Vamos fazer com que haja sentido. Nada é pecado. Quebre a cabeça com quebra-cabeças.  



"Abra suas asas
Solte suas feras
Caia na gandaia
Entre nessa festa
E leve com você
Seu sonho mais louco."
Lulu Santos.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Aniversário





Enchendo o papo
De ano em ano
A cada data
Mais Caetano.

Balões coloridos
Para escrever essa parte
Mas prefiro dinheiro 
Palmas, velas e arte.

Sem graus de rubor,
Tenho direito a pedidos
Cem graus de café e cor
Sem açúcar, por favor.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Dó Ré Mi Fá


(...) Que passava por despóticos com um entusiasmo sem limites. Passava por heróis, por pessoas, por oásis. Passava firme e caprichosa. Flutuava bem leve e trôpega, linda. A saia rodada correndo por entre as pernas de um jeito simples e literal. A noite escura refletindo sua alma introspectiva e sufocada. Lamentos tão intensamente lindos e tristes. Passava sem correntes por toda a platéia, chamando atenção. De salto fino, tão resoluta. Aplausos fora de foco em meio ao seu pranto. Aplausos dados com corações. Tão dançante e tão reflexiva. Claves e fás com maquiagem. E assim, coisas verdadeiramente belas que quase ninguém percebe. Macia e prateada, mexia-se usando dedos ágeis. Passava com aquela calda negra de maneira mansa, só dela. Para alguns, nota de aprovação e para outros, nem tanto. Quase mulher. Dó. Ré. Mi. Fá. Notas de piano.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Sertão


Na estrada queimada, correm utopias, sem rumo. Hoje, o sol está mais quente e invasivo, cegando os olhos anônimos. Por ora, saltam sonhos, calor e a sombra de um sorriso carente. Sede. A poeira faz companhia no eco e no oco que de longe, é paisagem. A saudade é uma estrada longa, que sem delongas, nem se tenta explorar. Sede. Baião e sanfona para embalar, com pimenta, pinga e um adeus de barro seco. Coisa de macho. Sede, e quase fome. No ápice da noite, usando um chapéu de palha o caboclo diz, com voz de mel, que sertão é o coração das pessoas e que a vida - mesmo de taipa - pode ser tão bela. Be-la!

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Canto


Desafinados, os barulhos saem libertos
Carregando qualquer mensagem outrora
Sem hora, os sonhos fogem dispersos
Nunca mais objetos de penhora.

Sem partitura, o ritmo acontece
E o tempo dissolve-se sem agonia
A melodia corre para abraçar quem merece
A sensação é de amor e eufonia.

Inocente, revela segredos e mundos e céus...
Porções de desejos que a vida sequestra
Mas todo o encanto refugiado em mil véus
Fica bem sólido nessa simples orquestra

O vento sopra a música e apaga as migalhas
Capaz de fazer alguma paz surgir
Discreto e calmo desconhece batalhas,
O canto que só os anjos podem ouvir.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Silêncio


"Não tenho medo do grito dos violentos, 
dos corruptos, dos desonestos, 
dos sem-caráter, dos sem-ética. 
Tenho medo é o silêncio dos bons."
Martin Luther King


Eu vejo um mundo inteiro. Um infinito que só eu enxergo. As flores estão caídas nas calçadas curvas descansando uma vaidade silenciosa sobre o concreto. Eu aqui, calada, procuro uma esperança em cada esquina ou, uma novidade. Mais um dia e não apenas um dia a mais. Calo. Sinto. A solidão fotografa abstrações da minha mente. No silêncio branco, afasto qualquer excesso sufocante, porque calar é falar também. Falar com sua própria carga, com seus pensamentos e seus sonhos. Estar consigo é uma relação vibrante. Estrelas e faíscas. E simples. Sem discurso, cordialidades, sem roupa e sem medos. Vejo, de onde estou - em qualquer lugar agora - multidões inacabáveis, e sei que todos eles estão bem mais sozinhos que eu. Ter a si é necessário. Pertencer a si é um dom, um remédio.
Lá fora, chuva. Aqui, minhas próprias gotas ecoam reflexões tão lindas e completas que me atraem como um ornamento, pela sua forma única. Cheia de um horizonte meu e uma liberdade sem fim. Cheia da uma perspectiva minha e de promessas minhas. De mansidão, viagens, amor e tempo. Cheia de mim e de sussurros. Se a chuva vai embora, meu silêncio retoma todos os seus gritos e conversas, parecendo de longe, fogo em tons laranja. É quando sinto que o tempo nem passa e que a calma é quase eterna ou, que as cores do espectro suavizam-se. Quando tudo volta a fazer sentido novamente, a certeza é quase absoluta e permanente.
A noite surge tão inocente, trazendo um cheiro distante de mar e felicidade e então me pergunto por que não crer nas minhas vontades - tão vivas - e por que não desperdiçar coragem para realiza-las. Por que não qualquer coisa agora?..
Cada um leva consigo seus sentimentos, cansaços, coleções da vida e problemas quase insolúveis, mas quase ninguém cala. Silenciar é crescer e nunca é caro o preço a ser pago. A propósito, o mundo está tão calmo nesse momento e a luz da lua é suficiente. Sem censura, vou sentar na varanda e com o vento, calar.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Alea jacta est

Os pedaços agora, estão desmazelados. Pedaços despedaçados. Faz sentido? Tá sentindo? Ela não sabe mais e nem quer saber. Os cacos estão espalhados pela cozinha, roupas e vidas. Na ponta dos pés, ela luta agora, para não pisar em seus próprios resquícios cortantes. Mas, atendo-se a pormenores e fotos empoeiradas, acaba tornando os cortes ainda mais profundos esperando sabores de mudança. E nada acontece. E nada nas águas que a alguns instantes antes, rolavam pelos seus olhos e visitava seu rosto tão lindo e cansado, tentando não se afogar. E mais uma vez, nada. Todas as memórias e cartas e todos os "tudos" faziam-se presentes numa vontade gritante de que o tempo pudesse voltar, nem que fosse por um sopro. Sem sono e nômade como vento da noite, queria rebobinar. Rebobinar o carpe diem. Poder voltar todo o filme e revivê-lo, porque, para ela, só existia aquela história. Em vezes esparsas, reunia em suas mãos pequenas, boas vibrações e retalhos de força que em qualquer pouco tempo, não produzia efeito algum. E ela, se quebrava. E mais uma vez, pedaços. E mais uma vez, tudo outra vez. A vida então, era um eterna estiagem que roubava todas as chances de felicidade e calmaria. Luz de lanterna insistente, flutuando ausente e alienada. Como borboleta que não mais pode bater as asas, fazia-se quietude. E quieta, dissolvia-se em imaginações, dúzias de hipóteses e dardos lançados mentalmente. "E se...?".
Cansada, ela resiste. Calada, caminha acreditando na elasticidade do elo. Duelo. Cavando covas para enterrar assombrações e arriscando a própria sorte, ela resiste. Com todas as angústias e com o medo de que tudo (de repente) esfarele e seja levado pelo vento. Resiste mesmo assim, porque ninguém nunca havia dito que seria fácil e indolor ou que só existiria compasso e risos. Resiste dizendo repetidas vezes, que vai dar certo, parecendo extremamente forte e corajosa. E talvez fosse. E talvez, seja agora. E daí que esteja im(possível) demais? Resiste, a menina de armadura, porque quer amar. Amar, dura. 
Lá fora, o mundo gira. Pessoas, teleféricos e imagens. O vento típico da época retoma sua velocidade. Para ela, nada agora é visível. Da boca, um gosto molhado e salgado. Suspirando, sente o peso da memória puxando-a de volta ao passado. Ela poderia ter se livrado daqueles flashes e da realidade sem moldes, mas deitou-se fechando os olhos com toda força, deixando que tudo viesse à tona. Ela sempre permitia que os sentimentos voltassem...

A sorte está lançada. 

domingo, 17 de março de 2013

Detalhes secos


Por favor, não me levem a mal. Eu sei que às vezes pareço sensível demais - e não que seja ruim - mas agora, eu realmente quero ser. Eu realmente quero liberar pedaços de sensações estranhamente comoventes. Falar fluídos, falar mundo, falar nada e tentar direcionar meus punhados de reticências. Andei perdendo a noção do meu clichê e dos cômodos da minha casa. Perdendo o futuro ou as brechas, e descobrindo que nos últimos dias, são as coisas mais simples que me trazem uma sensação de maravilhamento. Descobrindo que em somas e acúmulos, me encontro em pó, numa versão de saudade perpétua e, que tampouco sei o que está faltando na minha vida. Não sei de tantas coisas que ainda ontem era capaz de soletrar. Não sei, sobretudo, porque existem aspectos da minha personalidade que me deixam em desvantagem. Aqui, no meu silêncio traíra, espero que algo me aconteça, que algo venha e seja como palavras que um poeta poderia usar para amenizar a escuridão do mundo. Mas nada ocorre. E mesmo que inventar justificativas para os meus vazios não seja algo do meu feitio, criei a teoria trambiqueira de que estamos na geração do individualismo. Então, é normal. Embora, no meu íntimo eu saiba que isso é apenas minha válvula de escape. Normal existir um desencanto que com o tempo aprende-se a reconhecer mesmo sem entender inteiramente. Normal engolir que o conceito de romantismo é complicado demais. Normal não querer sair do balaio. Muito normal pensar que vitrôs coloridos são bregas. Mais normal ainda pensar que na vida de cada um não existe aquele momento inquestionável de mudança, que transforma tudo ao nosso redor. É normal saborear joguinhos. É normal e fácil demais se esconder atrás de conversinhas populares. E ainda bem que é normal. Ufa!
Acredito, ainda assim, no que há por trás. Eu também vivo na convencionalidade, sossegando a alma com as normalidades hipócritas. Mas acredito no muito, no tanto, na poeira acumulada nos rodapés. E, se tenho dias sensíveis com vazios impreenchíveis, obliquidade intensa ou poças fundas é porque sei experimentar o afrodisíaco que está na paisagem da minha janela retangular. Sei ceder às rachaduras, mesmo quando não quero e nem posso. Da minha varanda, deixo os soluços rezarem no meu peito, e penso que o fato de não estar apenas observando as estrelas, mas também estimando o passado, deveria ser inspirador. 
Ainda não sei suprir o meu deserto solitário, solidário e sórdido. Ainda não sei, realmente. Mas sem desabafar mais nenhuma palavra sequer, me esvaio e me despeço (metodicamente despedaçada) limpando minha lama borrada, porque é convencional não aborrecer os outros com detalhes secos. 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Monopólio

Sua camisa desabotoada e seu suor torto.
Sua falta de coerência num excesso de explicações.
Sua coleção de promessas. Sua coleção de perfumes.
Sua mania de ser deserto. De certo, sem querer.
Sua preferência por baralhos incompletos.
Sua risada de vidro.
Sua expressão de areia. 
Sua inexpressão gelada. Sua pressão.
Sua face pendurada aqui. 
Sua chuva com gotas contadas.
Sua cilada perpétua. Sua armadilha engraçada.
Sua quantia de dinheiro falso.
Sua calça sem bolsos. Sua fantasia bonita.
Sua curva perigosa.
Sua velocidade incompatível.
Sua chave de lugar nenhum.
Sua ressaca de eu lírico. 
Sua vida de gelatina.
Seu usufruto com pronomes possessivos.
Sua, seu. Minha, meu. Nosso. Deles.

Eu? sua.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Arquitetura


Era um lugarzinho autopiedoso. Uma construção fácil numa trilha serpenteada. Ficava escondido na última rua, na última curva, no último violeta pálido. Por vezes, rodeado de borboletas sem graça. Era um local nu e vulnerável. Nunca compreendi, realmente, aquele lugar. Tinha uma dose muita alta de memórias.. e de amnésia também. Quando bem cuidado, era quase um prisma de cores. Quando mal cuidado, salgado. O lugarzinho, era lindo. Servia de esconderijo. Um esconderijo para aquele tipo de pessoa que esconde a verdade porquê tem medo. Era uma casa, era uma roça, era pau a pique. Era um mundo urbano e era uma natureza calma. Era mil em um. Era uma oferta genuína e ilegível. O lugarzinho parecia nos receber sempre com um sorriso de gratidão. Não tinha endereço mas tinha bocados iguais de sombra e luz. Tinha algumas espécies plantadas em vasinhos de cerâmica. Mas não era concreto. Era tudo feito de alguns dias, alguns anos e uma vida. E tudo naquele terreno era tão, tão...
Anos se passaram e até hoje não consegui entender o lugarzinho. Anos se passaram e até hoje não consegui entender a minha mente.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Louca

Um pitaco de metamorfose
A altura de um batente
Sou o efeito colateral
Um saco de continente.

Por vezes, espremo nuvens
Cuspo magia e assusto o mudo
Sou o grito de Edvard Munch
Na verdade, sou quase tudo.

Uma cápsula de eventos
Verbos sem conjugação
Um pouco de néctar na receita
Sou a assinatura de aprovação

Energia eólica
Textura de fruta rosada
Sou o ontem e o anteontem
Sou uma imensa manchete calada.

Nunca neutra
Nunca nula
Sou símbolos em braile
Sou clandestina e sem bula.



O texto faz referência à obra "O Grito" (Skrink) - Edvard Munch (movimento expressionista)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Plural

Nós somos.
Somos história.
Somos mistura.
Somos inteiros.
Completamos.
Somamos.
Espantamos,espanamos.
Somos romance.
Somos cumplicidade.
Somos peças separadas também. E precisa ser assim, para que haja encaixe.
Somos encaixe!
Somos simples.
Somos complexos.
Fáceis e difíceis.
Somos o que há de melhor.
Sabemos ser o que há de pior.
Somos fatais. 
Somos o topo.
Somos a base.
Somos brasa.
Somos lixo, somos luxo.
Somos sementes.
Somos sal. 
Somos argila moldada. Artificialmente naturais.
Somos cosmos.
Somos átomos também (quando queremos).
Somos o silêncio retilíneo.
Somos a fala, na medida exata.
Somos o abraço, os braços, a fração.
Somos  alguns bocados.
Somos os pormenores de uma multidão.
Uma doença. 
Um semáforo.
Somos plumas e pigmentos.
Somos, por sorte, um plural veloz.
Somos pitada calculada de pieguice.
Um tanto brega. Um tanto encantador.
Somos cadência. Descompasso e batuque.
Nunca somos o vazio. 
Sempre somos o vazio.
Somos sede.
Somos apostas.
Somos migalhas de um inteiro absurdo.
Somos latifúndio. Castelo e reduto.
Somos originais. Alguns fogos de artifício.
Algumas manchas no céu. 
Somos um pito de nada.
Somos as cortinas abertas, o espetáculo.
Somos o aplauso. Do início e do final.
Somos didaticamente falhos.
Uma matemática morta.
Um pretérito perfeito, imperfeito demais.
Perfeitos no espelho do banheiro.
Monstros.
Somos ódio e amor.
Somos um paradoxo. Eterno e passageiro.
Somos nossos.
(...)