domingo, 27 de janeiro de 2013

Arquitetura


Era um lugarzinho autopiedoso. Uma construção fácil numa trilha serpenteada. Ficava escondido na última rua, na última curva, no último violeta pálido. Por vezes, rodeado de borboletas sem graça. Era um local nu e vulnerável. Nunca compreendi, realmente, aquele lugar. Tinha uma dose muita alta de memórias.. e de amnésia também. Quando bem cuidado, era quase um prisma de cores. Quando mal cuidado, salgado. O lugarzinho, era lindo. Servia de esconderijo. Um esconderijo para aquele tipo de pessoa que esconde a verdade porquê tem medo. Era uma casa, era uma roça, era pau a pique. Era um mundo urbano e era uma natureza calma. Era mil em um. Era uma oferta genuína e ilegível. O lugarzinho parecia nos receber sempre com um sorriso de gratidão. Não tinha endereço mas tinha bocados iguais de sombra e luz. Tinha algumas espécies plantadas em vasinhos de cerâmica. Mas não era concreto. Era tudo feito de alguns dias, alguns anos e uma vida. E tudo naquele terreno era tão, tão...
Anos se passaram e até hoje não consegui entender o lugarzinho. Anos se passaram e até hoje não consegui entender a minha mente.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Louca

Um pitaco de metamorfose
A altura de um batente
Sou o efeito colateral
Um saco de continente.

Por vezes, espremo nuvens
Cuspo magia e assusto o mudo
Sou o grito de Edvard Munch
Na verdade, sou quase tudo.

Uma cápsula de eventos
Verbos sem conjugação
Um pouco de néctar na receita
Sou a assinatura de aprovação

Energia eólica
Textura de fruta rosada
Sou o ontem e o anteontem
Sou uma imensa manchete calada.

Nunca neutra
Nunca nula
Sou símbolos em braile
Sou clandestina e sem bula.



O texto faz referência à obra "O Grito" (Skrink) - Edvard Munch (movimento expressionista)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Plural

Nós somos.
Somos história.
Somos mistura.
Somos inteiros.
Completamos.
Somamos.
Espantamos,espanamos.
Somos romance.
Somos cumplicidade.
Somos peças separadas também. E precisa ser assim, para que haja encaixe.
Somos encaixe!
Somos simples.
Somos complexos.
Fáceis e difíceis.
Somos o que há de melhor.
Sabemos ser o que há de pior.
Somos fatais. 
Somos o topo.
Somos a base.
Somos brasa.
Somos lixo, somos luxo.
Somos sementes.
Somos sal. 
Somos argila moldada. Artificialmente naturais.
Somos cosmos.
Somos átomos também (quando queremos).
Somos o silêncio retilíneo.
Somos a fala, na medida exata.
Somos o abraço, os braços, a fração.
Somos  alguns bocados.
Somos os pormenores de uma multidão.
Uma doença. 
Um semáforo.
Somos plumas e pigmentos.
Somos, por sorte, um plural veloz.
Somos pitada calculada de pieguice.
Um tanto brega. Um tanto encantador.
Somos cadência. Descompasso e batuque.
Nunca somos o vazio. 
Sempre somos o vazio.
Somos sede.
Somos apostas.
Somos migalhas de um inteiro absurdo.
Somos latifúndio. Castelo e reduto.
Somos originais. Alguns fogos de artifício.
Algumas manchas no céu. 
Somos um pito de nada.
Somos as cortinas abertas, o espetáculo.
Somos o aplauso. Do início e do final.
Somos didaticamente falhos.
Uma matemática morta.
Um pretérito perfeito, imperfeito demais.
Perfeitos no espelho do banheiro.
Monstros.
Somos ódio e amor.
Somos um paradoxo. Eterno e passageiro.
Somos nossos.
(...)