quarta-feira, 30 de abril de 2014

Sobre o tempo


Escorre pelos olhos o tempo que não aprendeu o caminho de volta. Tudo vai mudando, em pequenos pedaços, e você nem se deu conta. O sol já se pôs e essas mudanças beijam o rosto da oportunidade. O sol nasce, noutro dia que aponta nos relógios, e está te dando de bandeja todo esse calor. As coisas são bonitas porque não são eternas, assim como o outono capaz de despir todas as árvores e conseguir fazer poesia ao levar as flores consigo. Ele passa porque, afinal, tudo passa. Não há outra vida em nós, não agora. Talvez haja outra vida por aí, em alguma rua desconhecida. Mas nesse instante, o tempo passa. As palavras viram vento, o pecado vira virtude, as moças transformam-se em estações e a gente se perde nesse brincadeira de "era uma vez". Somos donos do nosso tempo, desde que saibamos disso numa constância suficiente para não traí-lo. Tempo é algo precioso e o passar dele também. É o pai das prioridades, o rei das escolhas, o senhor das obrigações. Um mágico que transforma o malfeito em borboletas, o disforme em experiências. Um comandante honesto da vida, que nos apresenta a morte em diárias doses suaves e nos remedia com o cotidiano cômodo e com uma ordem vital básica. A anestesia é, então, a imortalidade aprazível do melhor momento do dia. E do outro. E de todos. E mesmo que continuemos vulneráveis ao inevitável, aprendemos a encher as fases de paixão. O figurino de cada momento finda o luto, e o ato de vestir a camisa é sábio demais. Há fases que compõem, fases que vêm anoitecidas, fases que falam de amor, fases com um bocado de vida... fases que fazes: linhas tênues invisíveis do tamanho do mar (que também é uma fase). E por causa do tempo os verbos têm conjugações. E por causa dele, as frutas amadurecem, esquecimentos acontecem, há possibilidades de colheita, os parques ficam mais verdes, a realidade se desvencilha das prolixidades e te liberta das ilusões. A gente conversa mais manso, fala "não" com mais facilidade, desvenda a felicidade, comemora aniversários e luas. Quiçá, cometemos desperdícios, por valer a pena. Mais um minuto, horas de areia e outro gole de café. Segundos de um breve estar: há estrelas no céu que vão acabar. Existência maciça dos meus recortes de eternidades para eu guardar no meu maior bolso. Porque eternidade são fotografias, sabores, lembranças. Eternidade é o que abraça a alma enquanto o tempo se encarrega de ajustar as benfeitorias da nossa história que passa depressa por debaixo dessa saia florida. Tempo é o escorre silenciosamente pelos dedos, calejando-os. É o ingrediente que faz acaso quando toca o espaço. E eternidade é o que fica desse tal de tempo, que foi-se como foice.




"És um senhor tão bonito, quanto a cara do meu filho... Tempo tempo tempo tempo,  vou te fazer um pedido. Tempo tempo tempo tempo (...) Compositor de destinos, tambor de todos os rítmos... Tempo tempo tempo tempo, entro num acordo contigo. Por seres tão inventivo e pareceres contínuo, tempo tempo tempo tempo, és um dos deuses mais lindos..." 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Luz. Câmera. Ação!

"Que as atitudes renovem o poder das palavras. E que a palavra volte a ser novamente atitude."(Carpinejar)




Sempre associei inércia à doença. À alguma espécie de enfermidade física ou aos inúmeros tipos de doenças psíquicas. Algum trauma, fraqueza, rastro de insegura, à doença do medo, à doença que renuncia a auto-confiança. A política da opinião abstrata inunda de conforto consciências que não sentem mais a necessidade de se positivarem através de atos, riscos, acertos e erros. Ter opinião é fazer opinião. Muito "se fala", muito "se acha" e muito "se critica" nessa sociedade convencionada a ser humildemente escondida. Mas poucos se comprometem. Eu nunca entendi essas escolhas e perspectivas que fazem-se nulas diante da consensualidade humana. Eu nunca entendi o padrão mundano capaz de tolher o instinto de ação e posicionamento, o instinto de mudança, a vontade de tornar a vida mais digna a partir das próprias pernas. Atitude é, definitivamente, a palavra do século. É a retaguarda da ascensão, porque só há progresso quando há movimento. É a preliminar da notoriedade, da aparição, do reconhecimento ou até mesmo do julgamento alheio. E isso é importante, porque te torna peculiar ou, no mínimo, lembrado. O anonimato é prerrogativa de fraqueza e de temor, e a omissão é a admissão da mais nítida inutilidade e incapacidade de ser, manter, estar, falar, construir ou reconstruir. Nos tornamos quem somos, buscamos o que queremos, arcamos com as dificuldades e consequências de uma vida ativa e válida. Somos o que fazemos continuamente e só conseguimos mudar a realidade quando aplicamos a dinâmica da inquietude em nossos planos e apostas. Poucos se importarão com o seu modo de pensar, mas muitos poderão abraçar a sua causa quando ela existir como algo semeado que partiu de você, de um jeito material, real. Ação é efeito. É confronto. É o poder de produzir reações, logo, cadeias de ações que fazem o mundo funcionar. É ser honestamente merecedor das conspirações favoráveis do universo e do futuro que reflete seus indícios. Temos que estar preparados para dar o primeiro passo. Nos permitir na medida das nossas limitações pessoais mas com a evolução espiritual de confiar que tudo é instrumento para o nosso melhoramento. Que ação é o mais robusto grito de guerra. Que dar a cara a tapa é pressuposto para grandes conquistas. Que chafurdar nos conflitos não vai tornar nada menos desconfortável ou mais solúvel. Quem não atua, não vive em paz, porque a alma anseia participação, a poesia quer andar. Temos que compreender até onde aceitar é bom, até onde concordar é eloquente. Até onde subscrever faz feliz. Sempre acreditei em destino, mas nunca deleguei à ele minhas responsabilidades, nem jamais, a autenticidade dos meus sonhos. Tornem-se a própria atitude porque sua vida é sua obrigação. Simples e lógico. Quer matar a sede: busque a água.