domingo, 30 de março de 2014

Amor


Entre todas as formas de insegurança que as pessoas conseguem expor instintivamente, o "eu te amo" é a que mais me intriga. Não que os levianos me ponham em um auto questionamento, mas o outro lado da história me faz refletir: a franqueza, a liberdade e a lisura que revestem esse sentimento quando sentido por pessoas bem resolvidas emocionalmente. Essa preciosa exceção aos "pseudo-amantes" é o que me faz ter no bolso uma irrenunciável esperança de que o nobre e decente amor não morra na boca desses corações frouxos. Amor, não é pretexto para a mediocridade de uma vida, não é vingança contra a realidade, não é refúgio e, tampouco, é a cura para a inércia ou para a ansiedade. Amor não é casamento e não é nenhum outro rótulo "confortável" porque amor nunca foi status social. Não é ímã, não é Freud, não acolhe os conceitos pretensiosos e preconceituosos da nossa doença cultural. O "eu te amo" é uma frase tão idealizada, que quando dita toma o corpo da suficiência e encerra o assunto. Mas o que há por trás? O que há nos próximos cinco minutos? O que haveria se não fossemos tão frágeis? Tão covardes por natureza?
Demonstração de amor exige um universo além da frase mágica. Exige aceitação, interesse, zelo e a liberdade do mundo inteiro. É um sentimento-situação digno de qualquer forma de instalação, salvo o da pobreza de espírito. É uno, múltiplo, temporário, eterno, peculiar, não cabe num manual de procedência, não cabe nos diminutos aspectos físicos, não cabe nesse texto. 
Amor não é programação biológica, não é paixão, não é promessa. Não é bônus do status quo e não é ingrediente para agregar valor às relações. Todos os dias vejo como as pessoas têm medo de assumir a real definição do tipo de ligação que sustentam em suas vidas, umas com as outras, tornando o amor uma amenidade, um desencargo de consciência. E não é. Agora, jogar esse sentimento tão insigne nas mãos de uma sociedade superficial e oca é uma responsabilidade muito grande, um risco mortal. Uma sociedade que sabe que é "amada" só porque foi dito, só porque está acostumada com a verbalização de tudo e evidentemente isso basta. Só porque aprenderam a administrar muito mal a solidão. Só porque é uma sociedade suprida por uma anuência coletiva sobre as coisas, que são como são porque alguém disse e ponto final. Uma sociedade que segue regrinhas limitadas, castradoras do livre arbítrio de sentir verdadeiramente. Sente-se amado quem antes de tudo, sabe o que é isso. Quem sabe que amor não é antônimo de infelicidade, quem sabe que amor não é antônimo de infidelidade, que não é sinônimo de auto renúncia. Quem sabe que amor não mata, porque não é veneno. Que não tem forma, apenas hospedeiro. Quem sabe que amor é consciência. A gente doa, cede, estica, muda os móveis de lugar, cuida, canta, chora, faz planos, abraça, pede opinião, pensa, fala, escuta... mas não esquecemos quem somos e do que gostamos. Não esquecemos que antes de amar alguém, precisamos nos amar. Amor é transgressão, as outras coisas, convenção. Amor é sorte, o resto é manipulação. Amor é divino, o resto é normal. Amor é sentir-se seguro, o resto é sentir-se bem. Amor é poder tudo, o resto é comportamento. Amor é liberdade, o resto é proibição. Amor não é cafona, não sai de moda... o que sai de moda é a situação. Cada sentimento é cada sentimento. Amor, é tudo.
"Eu te amo" não significa nada. Dito por dizer, é coisa de gente medrosa, carente, mal resolvida ou (nos casos mais inteligentes) coisa de gente sedutora e vaidosa. Há (ainda) quem ame de verdade, e para esses: amor eterno!