sábado, 23 de novembro de 2013

Rebanho


Obra de Hector Bernabó Carybé.



 Cruzei ruas que pareciam pinturas de Carybé, e estou andando em meio à todas elas nesse momento. Meus passos dados de dentro pra fora, eram capazes de despir certezas. Não fui com bagagem e nem com dinheiro. Não fui a nenhum encontro marcado e nem mesmo em busca de algum propósito. Apenas estive lá, com uma intensidade à flor da pele. Estive e conheci pessoas. Tóxicas, eloquentes, urgentes e vivas. Conheci gente despida, desapegada, eufórica. Alguns do tipo que não se desvencilham do caos e das causas incoerentes. Aquele tipinho em extinção. Esses, cabiam nas minhas ironias, na minha desobediência e redundância. No estilo Roberto Carlos, Dom Quixote, Castro Alves e Maria Gadú. Incólumes às raivas e dores, à fome, ao frio e ao sexo. Da classe dos frouxos e desmedidos. Pro mundo inteiro que existe guardado em algum lugar dentro de mim, eles são a personificação de um amanhecer de coisas que nunca foram dia, ouso assim dizer. Seres genuinamente certos de que são bichos densos, incluídos nessa constância de sermos todos sempre, desconhecidos. Eu queria estar escrevendo sobre qualquer outra coisa agora... sobre rotina ou sonhos, mas a minha pretensão vai além do silêncio questionador daqueles que nos avaliam... que vos analisam, e então só me resta rogar que muito mais do que a sinopse dessa arriscada biografia, eles sejam apenas alguns preciosos alguéns que.  

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Jazer


Corpos
Curvas
Vantagens místicas
E turvas.

Hipérboles materiais
Quase bem consumadas
Sem nenhum ego valente
Nem rimas censuradas

Viril a erudição
A moralidade é uma mera lixívia
Desde os primórdios do sucesso,

Lá se via
Lascívia.
 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sobre dias frios e sensações


De gole em gole, o líquido quente inunda fantasmas que trago, desde sempre, comigo. De onde estou agora, assisto inerte a chuva, grosseiramente transparente, imperando sua veemência em enxaguar vísceras humanas. Sempre apreciei a sinceridade das chuvas. Não camufla seus tons cinzas, nem tampouco seus barulhos. Não acolhe covardia. Não espera ninguém. 
Daqui, posso senti-la zombar das mediocridades. Daqui, posso ouvi-la pedir "licença" com uma voz eternamente imperativa, que temo então minha verticalidade: eu, tão plateia. A verdade é encantadora e só me resta aplaudir. A partir dela, descubro a sensação dos dias deliciosamente frios: franqueza. Aqueles dias permissivos de vários prazeres desgovernados. Aquele frio que torna conveniente o uso de cobertores retalhados e da reflexão.
De onde estou, o cenário é convidativo. Pingos nus e verdades. Pingos e horas. E horas. E horas. Incansável. O tempo vira tempestade e os acordes roucos negam ir embora agora, dando coerência aos meus palpites. Como se não bastasse o espetáculo disponível da minha janela, saio.

Assim como as cargas d'água, eu não me importo.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Só hoje


Só hoje lesionaremos a pele da cara. O dia agora parece-me perfeito para o pecado. Tão desesperador, tão inarrável. Só hoje vamos desassossegar o espírito, zombar da provisoriedade e quem sabe até negligenciar essa postura ereta, cheia de normas e cheiro de flor. Não evitaremos a vulgaridade do grito, da auto investigação, do clamor ou do desconforto. Se as pessoas aceitassem a totalidade de suas próprias vidas e tudo o que isso inclui, seriam menos chatas. Menos flácidas de si e certamente livres do veneno da inconfidência. 
Às 2h, abandonaremos definições e às 3h, dispensaremos o pragmatismo. Agora, seremos eternamente doces e nos segundos seguintes, jorraremos fel. 

Não me interessa nenhum juízo de moralidade. Há tempo, sabemos o que certo e o que é "errado". Me interessa o soterramento de questões conflitantes e insuportavelmente insolúveis, que mais tarde, vou ignorar.
Aos que concordam comigo, morrerei dizendo que o nosso lirismo dispensa explicações e leiloa resultados. Aos alheios de si, compreendo a difícil tarefa de acompanhar essa escolha de vida em transe, mas torço que em algum breve momento de lucidez ou coragem, vocês deixem de tentar ser o que criam, para serem exatamente o que querem ou pelo menos, o que realmente são. Pois bem, exerçamos com destreza o teratismo.
Que rasgue por dentro, que inunde tudo até anestesiar, que desabite quinhentas vezes e borre qualquer mediania. Que faça quarta-feira virar domingo. 

Assim como ondas que abandonam o oceano e tomam o espetáculo para si, precisamos de coragem para despregar dessas rugas sociais mesquinhamente maquiadas. Ignoro normalidades e isso me instiga. Ignoro rostos inexpressivos e perfumes inodoros... e isso causa uma satisfação da minha música interna que insiste em tocar.
Vamos nos sentir estranhos e vamos, então, nos amparar na medida desse pertencimento absurdo.
 
Não estique seu latim cansativo, porque sempre serei a presa inadequada. 
Só hoje, seremos como frutos maduros que renunciam suas árvores. 
Me mate ou me salve, só hoje.