quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Nosso



Arrepiada, desafio o frio assim que decido vestir minha última moldura de lã. Agora somos só eu e essa página nua. Há beleza nos meus gostos, na minha alma, no meu gozo... talvez porque ainda pulse quente. Sei que a beleza flui desse tanto de tudo que me apronta para coisa nenhuma. O apetite. A eternidade do agora. O viés de um dia que deixa digitais insistentes e doces. Tenho me acostumado a ver a beleza mais crua nesse espírito volátil onde nem o erro é desperdício, onde o olhar aceita carícias, onde evidente ambição é não querer. Eu gostei quando pude rir (instintivamente) das armadilhas da música que tocava no meu rádio enquanto eu andava por aí. No cardápio: nossos corpos musicalizados. Gostei quando o semáforo mudou de cor e eu ainda estava lembrando de nós... de como temos a idade das nossas vontades. Tenho inventado paisagens na minha parede. Tenho respirado tranquila: está tudo bem aqui... meu tom alcança sua nota. E dançamos em meio centímetro. Camuflada de vida, te visto. E despretensiosa, te caibo. Me lanço corajosamente nessas palavras recém chegadas, porque uma vez despida, essa página - agora escrita - será o adereço mais belo para minha nudez. É assim. A calma da chegada é o artifício da urgência. Tocar aos poucos é o álibi para a admissão das querências indefectíveis. Ecoa em mim um rascunho firme do cheiro sem título que a gente inventa. Tem sido assim. Profusões celebradas... uma bagunça arrumada, mãos que conduzem os inversos, corpos despertos que afundam. Assim. Atravessado, reinventado, abraçado, descaminhado. Lembrado pelo silêncio. Onde a menor delícia não cabe no mundo. Do lado de cá, a sombra de tudo o que é belo anoitece meu sono. Nos sinto! Cartas de baralho do nosso jogo de soslaio. Bem sabemos, eu aposto.