segunda-feira, 19 de maio de 2014

Dose



Hoje eu quero pingar uma gota de intuição nos meus olhos. Andar pelo mundo, falar com o escuro, contaminar o bando. Hoje eu quero a sabedoria dos irracionais, o perfume dos imundos, quero um violão só de nota dó. Hoje eu quero um vestido azul poético, quero estampas sobre signos, quero arrastar os móveis e me abster de três fatias do mundo. Hoje eu quero ser viajante. Errante. Feliz. Quero ser os pés do outono, as cores de Frida. Andante. Infinita. Quero ser imortal. Quero ser igual a mim. Hoje eu quero esparramar minha fala nas mãos. Ultrapassar. Meditar. Ficar nua. Hoje eu quero ver pessoas desfiguradas. E quentes. E gente. Todas expostas ao sol. Hoje eu quero ser cigana. Profana. Mundana. Quero ser todas. Hoje eu quero permitir tudo o que me revela, descobrir tudo o que me refaz, seduzir meus medos. Amar, desejar, fumar. Hoje eu quero café. Acúmulos. Peçonha. Insônias e acasos. Hoje eu quero escrever poesia na fumaça do meu último cigarro. Na fumaça do meu vulto. Na fumaça do meu reino. Hoje, especialmente hoje, quero uma lua tóxica e sem preconceitos. Quero fazer gestos obscenos. Quero amar o sal do mar. Hoje eu quero sujar os pés e manchar o céu de tinta. Diluir os limites. O perigo. Ir além. Ali. Assim.
 Hoje eu quero dizer amém.
Só por hoje.