sábado, 2 de agosto de 2014

Au Revoir


- Seis horas de uma manhã de plumas.

Vejo ela partir. Porque ela tinha de ir, assim, sem avisar? Sem objeções, ela saiu de onde estava, rumo ao... sentido da vida? Ela sempre me disse que quem anda pra frente contempla o sentindo da vida. E para frente sempre foi o caminho mais difícil de ser explorado. Saiu sem pentear os cabelos, vestida de vento, com os pés descalços. Eu já não podia fazer mais nada e vê-la indo de costas era como ver um horizonte distorcido, cheio de lonjuras e despedidas. Escorrendo, ela ia, pelos meus dedos, feito areia fina roubada de uma ampulheta. Mas eu sabia. Sim, eu sabia que a contagem seria sempre regressiva. Sempre decrescente. Indecente, devastadora... 

- Três horas de uma tarde esquecida.

Ela tinha mesmo deixado seus devaneios pra trás, e todos os seus demônios. E agora eles me faziam algum tipo de companhia, se posso assim dizer. No corredor haviam espalhados alguns poemas dela, escritos em época de Bossa. Num deles, li:


De áurea luxuosa e livre
Sou mulher de versos
Que nunca couberam
Numa redondilha menor 


Agora, só restava o cheiro diluído e quase imperceptível. 

- Meia noite de uma noite sem luas.

Ainda despedindo, vejo-a disforme, já noutro mundo, como uma miragem. Como o oásis do deserto que ela deixou aqui. Eu poderia ir com ela, mas a moça era autêntica demais. E eu, fincado, observava pela última vez a silhueta, que a cada passo se transformava em nuvem, e que em pouco tempo choveria, matando poucos e bons afogados.

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